Conceitos Junguianos
Jung cresceu em uma casa que possuía uma enorme
biblioteca, onde ele leu inúmeros assuntos diferentes e com isso foi um
estudioso das mais diversas áreas, como as religiões orientais, a
alquimia, a parapsicologia e a mitologia, entre outras. Dessa forma, sua
análise sobre a natureza humana leva em consideração todos esses
assuntos e isso faz com que ele desperte interesse e seja estudado por
várias áreas além da psicologia.
Um dos principais conceitos de Jung e, pode-se dizer, o objetivo de todo homem para ele, é o da
individuação,
que seria um processo de desenvolvimento pessoal que envolve o
estabelecimento de uma conexão entre o ego, centro da consciência, e o
Self, centro da psique total, o qual, por sua vez, inclui tanto a
consciência como o inconsciente. Para Jung, existe interação constante
entre a consciência e o inconsciente, e os dois não são sistemas
separados, mas dois aspectos de um único sistema, por isso é tão
importante manter a comunicação e o equilíbrio do eixo ego-Self. A
psicologia junguiana
está basicamente interessada no equilíbrio entre os processos
conscientes e inconscientes e no aperfeiçoamento do intercâmbio dinâmico
entre eles, lutando sempre contra a unilateralidade e buscando sempre o
equilíbrio entre os pares de opostos, conscientizando-os e
integrando-os à consciência através da comunicação do eixo ego-Self, mas
sem cair na enantiodromia, que seria passar de um oposto a outro sem
fazer as devidas transformações e sem encontrar o equilíbrio entre eles.
Em relação à
consciência, Jung desenvolveu as atitudes de
extroversão e introversão, e as funções psicológicas pensamento,
sentimento, sensação e intuição, usando tais conceitos no que chamou de
Tipos Psicológicos. Segundo ele todos possuímos ambas as atitudes e
ambas as funções, apenas em diferentes proporções, o que faz com que uns
sejam mais extrovertidos, outros mais introvertidos, uns possuam mais
desenvolvidas uma função em detrimento de outras etc.
A
extroversão é uma atitude objetiva e a
introversão
é uma atitude subjetiva. Essas duas atitudes se excluem mutuamente,
pois não podem coexistir simultaneamente na consciência embora possam
alternar, e realmente o façam, uma com a outra. Uma pessoa pode ser
extrovertida em determinadas ocasiões e introvertida em outras.
Entretanto geralmente predomina uma dessas duas atitudes num determinado
indivíduo durante a sua existência.
A função
pensamento discrimina, julga e classifica os
fenômenos a partir da lógica da razão, buscando avaliar objetivamente os
“prós” e “contras” da natureza desses fenômenos. Nomeia e conceitua os
objetos. De uma forma sintética, a função pensamento exprime o que é um
objeto. Estabelece a relação lógica e conceitual entre os fatos
percebidos. A função
sentimento faz a avaliação dos
fenômenos a partir de uma dimensão valorativa – eles são agradáveis ou
não. Tal como o pensamento, julga, porém, não pela lógica da razão, mas
pela lógica de valores pessoais – que, por sua vez, recebe influências
dos valores sociais. O conceito de sentimento não deve ser confundido
com os conceitos de emoção e afeto. Os sentimentos estão associados a
uma dimensão valorativa de julgamento, já a emoção é um afeto de grande
intensidade de energia chegando a alterar funções orgânicas, tais como
batimento cardíaco e ritmo respiratório alterados por afetos de amor,
ódio, ciúme, entre outros. A função
sensação privilegia as
informações recebidas pelos órgãos dos sentidos, constatando a presença
sensorial das coisas que nos cercam no contexto do “aqui e agora”.
Corresponde à soma total das percepções dos fatos externos que ocorrem através dos órgãos dos sentidos. Por fim, a função
intuição vai além da percepção (sensação), buscando os significados, relações e possibilidades futuras das informações recebidas.
Trata-se de uma apreensão perceptiva dos fenômenos (pessoas, objetos e
fatos) pela via inconsciente. A intuição “vê” a natureza “oculta”
desses fenômenos. A função intuição está associada a um tipo de
percepção que antevê possibilidades de acontecimentos. Corresponde aos
pressentimentos, palpites e impressões.
Pensamento e Sentimento são funções racionais e Percepção e Intuição
são funções irracionais. E as funções psíquicas formam dois pares de
funções opostas, entretanto, complementares: o pensamento é oposto,
porém, complementar ao sentimento. E a sensação é oposta, porém,
complementar à intuição.
Jung também estruturou as funções em
função principal, que é a mais desenvolvida pelo sujeito, é usada de forma consciente;
função auxiliar, que é a segunda mais desenvolvida, também utilizada de forma consciente, auxilia a função principal;
função terciária, que possui desenvolvimento rudimentar, age num plano mais inconsciente; e
função inferior, que é a mais indiferenciada, menos desenvolvida ou infantil, permanecendo num plano quase que exclusivamente inconsciente.
Todos os seus outros conceitos têm mais relação com o
inconsciente.
Em relação à dinâmica da personalidade, pode-se entender que no início
da vida o bebê está ainda numa fase indiferenciada da mãe. Por não ter
desenvolvido ainda um Eu próprio, compreende que ele e mãe são uma única
individualidade, estando, portanto, numa fase urobórica, onde não há
limites ou fronteiras onde um começa e o outro termina. À medida que vai
se desenvolvendo ele vai desenvolvendo as pulsões de vida e de morte, e
aos poucos vai se diferenciando da figura materna, constituindo-se como
um Eu diferenciado. Esse, porém, é apenas o início desse
desenvolvimento e dessa diferenciação, pois durante a vida será
necessário haver a diferenciação do ego também com o Self no processo de
individuação.
Conforme a criança vai crescendo, os primeiros grupos sociais com
quem convive são a família e a escola. Nesses ambientes ela percebe que
recebe aprovação por algumas coisas que faz e reprovação por outras,
experimentando bons sentimentos e recompensas nas primeiras, e ruins na
segunda situação. Com isso ela aprende a fazer mais aquilo que recebe
aprovação, pois precisa do amor e da aceitação desses primeiros grupos
sociais, principalmente dos pais e professora, para que possa se
desenvolver de maneira confiante e saudável. Dessa maneira ela começa a
desenvolver o arquétipo da
persona, que seriam os
diferentes papeis sociais que as pessoas desenvolveriam para que
pudessem conviver e se adaptar em sociedade. Isso é necessário para que
se possa viver de forma saudável, desde que o indivíduo transite entre
suas diferentes personas de maneira a não se apegar demais a apenas uma
ou algumas, deixando outras esquecidas, o que o manteria numa atitude
unilateral, causando um desequilíbrio em sua personalidade. Personas
seriam então os papeis que ocupamos na sociedade.
Exemplos de persona seriam a de mãe, a de filho, a de sogra, a de
irmão, a de policial, a de médico, a de professor, a de esposa etc.
Saudável é quando o homem assume a persona de policial no trabalho, de
pai e marido em casa, de filho na casa dos pais e assim por diante. Se
ele assume, por exemplo a persona de policial em casa, terá problemas
decorrentes disso, tanto em sua psicologia interna, devido à
unilateralidade e desequilíbrio, quanto de relacionamento com os membros
da família. Outro exemplo negativo seria se assumisse no trabalho e em
casa sempre a persona de filho, o que poderia fazer com que sua esposa
precisasse ser mãe dele ao invés de mulher; que seus filhos não o
respeitassem tanto ou que ele disputasse coisas com eles; ou ainda que
não fosse visto como um bom profissional no trabalho.
Em consequência do arquétipo da
persona, outro arquétipo começa a se formar, o da
sombra.
Na sombra estariam contidos todos os aspectos que a criança reprimiu em
si para que tivesse a aceitação que desejava, fazendo somente as coisas
que saberia que receberia aprovação social. Além disso, a sombra também
contém aspectos que a própria pessoa considera negativo, independente
do social, ou ainda, aspectos que até ela mesma desconhece, por não ter
consciência. Ela também pode conter aspectos positivos e desconhecidos
do sujeito, que ele desconhece ou que não considera positivo. A sombra,
portanto, é inconsciente e por isso costuma ser projetada no outro.
Quanto maior e mais inconsciente é a sombra, mais a pessoa a projeta e
mais fica em desequilíbrio, o que pode lhe causar muitos problemas, pois
sua energia psíquica está toda represada nesse seu aspecto, ficando os
outros carentes dessa energia, por isso é necessário que a pessoa se
conscientize dela.
Para Jung, a criança é a extensão da
psicologia de
seus pais e está sujeita às influências deles, estando suas
experiências posteriores e relacionamentos adultos, dependentes da forma
como irão internalizar as figuras de seus pais e relacionamento deles e
com eles. E quando se fala em internalizar tais figuras, não
necessariamente se fala da figura real, mas também da imagem arquetípica
de mãe e de pai. Segundo ele, ao nascer a criança tem sua consciência
toda dentro do inconsciente, ou seja, ela é só inconsciente coletivo.
Depois, vai aos poucos expandindo sua consciência, à medida que vai
tendo experiências, e desenvolvendo seu inconsciente pessoal. Dessa
forma o ego fica no centro da consciência, mas não sendo ele o todo, e
sim apenas uma parte do todo que é o Self, centro da psique total.
Como já foi visto, o conceito de inconsciente para Jung pode ser
dividido em dois, o pessoal e o coletivo. Independente de qual seja,
Jung concebia que a linguagem do inconsciente seria por imagens,
símbolos e fantasias, por isso seria difícil decifrá-lo, por ser um tipo
de linguagem diferente (imagens) da utilizada pela consciência
(palavras). Ele também trouxe a ideia de que o inconsciente possui
função compensadora da consciência, ou seja, se o ego está muito focado
em uma única direção, o inconsciente se manifestaria sempre numa direção
oposta, com a intenção de mostrar outro ângulo à pessoa e também para
buscar o equilíbrio do sistema psíquico.
O
inconsciente pessoal para Jung se originava a partir
do coletivo e, como Freud, também considerava que continha conteúdos
mentais inacessíveis ao ego, reprimidos durante a vida e um lugar
psíquico com seu caráter, suas leis e funções próprias. Acrescentou que
também conteria conteúdos percebidos apenas de forma subliminar. E o
inconsciente coletivo seria a parte do inconsciente que contém aspectos que nunca foram conscientes, os
arquétipos,
bases filogenéticas e instintivas da raça humana que foram herdadas
pela psique devido às experiências repetidas que as pessoas foram tendo
durante toda a história da humanidade. Nesse inconsciente estaria
contido o inconsciente pessoal e seus conteúdos refletem processos
arquetípicos. As manifestações do inconsciente coletivo aparecem como
motivos universais, ou seja, se repetem independente da época ou
cultura. Inclusive foi observando isso que Jung chegou à conclusão da
existência desse inconsciente.
Exemplo disso foi o sonho que ele analisou de um paciente psicótico a
respeito do falo do sol ser a origem dos ventos, e tempos depois ter
encontrado a mesma referência num mito de uma antiga religião persa,
tendo certeza de que não tinha como o paciente ter tido acesso a esse
dado.
Através do método da livre associação, Jung identificou relações
entre idéias que das quais os pacientes não podiam ter conhecimento
prévio, nem por ter ouvido ou lido a respeito. Indo adiante em suas
pesquisas, ele encontrou paralelos entre as tramas e os símbolos dos
sonhos de todo tipo de pessoas: desde seus pacientes até prisioneiros
nas cadeias americanas e indígenas no meio da África. Não somente, ele
se deu conta que havia temas recorrentes na história da cultura humana,
expressos tanto na mitologia como na literatura. A conclusão de Jung foi
que o inconsciente não podia ser somente pessoal. Há um nível mais
profundo que é coletivo, pertencente a todo indivíduo do planeta.
(NOGUEIRA, 2010 Mai 13)
Jung falou também dos
complexos, seriam grupos de
ideias ou imagens carregadas emocionalmente, que possuem em seu núcleo
um arquétipo correspondente. Dessa maneira, os arquétipos são os núcleos
dos complexos, existindo um para cada situação da vida, de tal maneira
que Jung chamou de arquétipo também o ego. Pelo fato dos complexos serem
carregados de emoção, e estarem ligados a seu núcleo arquetípico por um
vínculo energético, quando constelados ou ativados, são naturalmente
acompanhados por um afeto. Por essa razão e pelo fato de serem sempre em
parte ou totalmente inconscientes, acabam sendo relativamente
autônomos, o que faz com que, quando constelados por alguma situação que
tenha relação com eles, tenham o poder de tomar à frente do ego na
consciência e agirem por si. Isso é possível porque a constelação faz
com que ganhem uma quantidade grande de energia psíquica que ultrapassa a
energia do ego, que só volta ao controle da consciência quando a
energia do complexo em questão se esvazia, fazendo com que ele perca a
força e volte ao inconsciente.
Quando totalmente inconsciente de seu complexo, o ego ao retornar ao
controle, pode ficar surpreso e arrependido por ter agido de tal
maneira, não entendendo o que o levou a fazer aquilo. Se a pessoa possui
uma persona muito bondosa, provavelmente sua sombra é bem grande e, se
nem ela e nem os outros a seu redor tiverem consciência disso, o susto
pode ser bem grande quando o complexo da sombra, por exemplo, vem à tona
em alguma situação. Por isso é tão importante conscientizar o máximo de
conteúdos ou complexos possível, pois eles só assaltam a consciência
quando são negados e reprimidos por ela, pois seu único objetivo é ser
reconhecido pela mesma. Uma vez reconhecidos, conscientizados e
trabalhados, o sujeito poderá perceber quando estiverem sendo
constelados por alguma situação e, conscientemente, terão o poder de
escolher quando e como usará seus aspectos. Isso é possível de ocorrer
porque a energia psíquica do ego estará maior, uma vez que os conteúdos
não estão mais tão arraigados ao inconsciente e também porque o ego mais
consciente e trabalhado, estará mais fortificado.
A conscientização dos complexos e o trabalho decorrente disso,
ocorrem através do diálogo entre os conteúdos do indivíduo, ou seja, não
basta só tomar consciência dos aspectos de sua sombra, por exemplo, é
necessário ir aos poucos integrando-os à consciência. Isso é um trabalho
longo e paulatino, que deve ser feito por toda a vida e, de forma
resumida, é nisso que consiste a individuação. Por isso ela nunca está
terminada, pois sempre haverá conteúdos a serem reconhecidos e
integrados.
Esse diálogo ou comunicação entre o ego e o Self ocorre através do
eixo ego-Self, quando este está funcionando direito, sem interrupções, e
é feita através de imagens, onde o ego aos poucos vai tendo acesso e se
relacionando com o inconsciente. Se há uma interrupção nesse eixo, ego e
Self não se comunicam direito e pode haver uma neurose, ficando a
pessoa egoica demais e sem contato com seus conteúdos internos. Nesse
caso é necessário o fortalecimento desse eixo e o aumento do
relacionamento dessa pessoa com suas imagens e conteúdos inconscientes.
Quando essa interrupção é grande demais, existe uma fenda entre ego e
Self e pode ocorrer a psicose, que é quando o ego se desestrutura por
completo e só o inconsciente passa a existir, estando o ego mergulhado
em suas imagens. Nesse caso é necessário o fortalecimento do ego e o
resgate dele das imagens do inconsciente, através do próprio
relacionamento com elas.
Como foi visto, o
ego também é considerado um arquétipo
e é o centro da consciência, sendo o responsável por dirigir nossa vida
consciente, nossas ações e escolhas, buscando sempre proteger a
consciência de qualquer coisa que a ameace. Apesar das pessoas acharem
que ele é tudo, que elas são ele, ele é apenas uma parte do sistema
psíquico. A outra parte é o inconsciente e nele se encontra o Self, que
realmente é a essência de cada um, sendo o objetivo de todos ir de
encontro a esse verdadeiro centro e se tornar ele, ou seja, a
individuação, como já foi dito.
O
Self, portanto, é o arquétipo central, responsável
pela ordem e totalidade da personalidade. É formado pelo consciente e
pelo inconsciente juntos e é o centro da psique total. Geralmente é
representado por símbolos que remetam a essa totalidade, como mandalas,
círculos e imagens impessoais.
Há ainda os arquétipos da
anima e do
animus,
que são responsáveis por auxiliar o ego a entrar em contato com o
inconsciente, afim de aprofundar sua relação com o mesmo na busca e no
caminho da individuação. Anima é a parte interior feminina da psique do
homem e animus a parte interior masculina da psique da mulher, servindo
então ao equilíbrio do sistema psíquico, uma vez que compensam a atitude
masculina ou feminina da consciência.